Pensar Hoje - retratos do agora

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Consciência

Ela é aquela pausa que acontece ao exclamarmos "nasceu!" - corridos dois segundinhos entendemos a essência do momento. Daí a lembrança distorce e o aprendizado corrói. O que conhecemos, claro: conhecer de verdade é não se assustar com o desconhecido. Nisso muito devemos às crianças.

Definimos ao olhar para o horizonte a esmo, sem preocupações: sem pessoas, dinheiro, metais, quaisquer coisas que sejam. Sem pensar, olhamos para o mundo quase desnudo. É quase porque os olhos só captam uma fração do que deve ser olhado; os ouvidos não escutam tudo, et cetera. Nem a caneta diz tudo: você entende o que quero dizer?

Você diz desconhecer grande parte das coisas: isso é bom em certa dimensão! Estará sem os famigerados preconceitos. Terá talvez medo, mas quem não tem um pouquinho? Diz que ainda não sabe o fardo que carrega, e é fato! Ele muda a toda hora. Quem não muda e tem de aceitar que o filho agora sabe andar é você! E a luz da alma dá uma luz, a luz da sombra assombra e a sombra da luz eu talvez não veja: vamos brindar porque devemos esquecer a sombra da alma! Ela, sim, é a penumbra!

Temos tantas escolhas! Ah, a livre tentação de termos tudo! Ah, a severa pena de fazê-lo! Por que se sentir moribundo ao escolher tudo, vagabundo ao não escolher nada e só bundo ao escolher uma coisa? Ébrios, só a bruma para entender vocês... E onde entra a consciência aí? Ora, aí onde entra a virtude! Mas e se não entenderem nossa virtude? Aí, sim, é uma pergunta!

E a pergunta de verdade é a que sempre permanece. Não há graça em ter resposta para tudo, mas também não em criar pergunta para tudo. Ou, pior, relembrar quais são as perguntas: viver é intransitivo! Já viu farol antes de nascer?

Daí falam em planejar-se pra consertar-se para conceber-se para viver-se! Mas se viver é intransitivo, o que tem de mais nisso? É, tem razão, tem demais! Ou se vive ou se planeja viver. Hoje ninguém realmente vive, mas não faz mal sonhar ou tentar! Pode ser que a tentativa seja realmente o viver. Planejar e viver, quanta contradição! E não é maledicência: quando vivemos, somos quem devemos ser. É como beber: nos convencemos facilmente!

Vamos abrir a janela do quarto. Mas tomando sorvete - sem que ele derreta. Pela janela veremos as crianças brincar, o sol nascer e a lua a niná-lo. O breu do quarto sem sol é que derrete a alma. E o creme do sorvete derramado não volta mais: só as formigas vão querer.

"dorsum ludum fero tui sceleris" (Carl Orff - O Fortuna)

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