Pensar Hoje - retratos do agora

domingo, 6 de abril de 2008

O azul da menina

E eu não sei. Foi bonito ver aquele azul, tão próprio, derramado sobre tudo o que ela chorava. Como se o azul fosse terminar, sabe? Depois de tudo passar e ela lembrar que ele também saía de seu sorriso, percebeu que a cor era um pedaço dela.

Parecia fulminante, dava para perceber a cena tornando-se azul com o cair das lágrimas. O cinema pausou-se quando ela resolveu fechar os olhos e sonhar, tornar-se aquilo que não sabia em que iria se transformar. A casa ficou mais vermelha quando isso aconteceu, o telhado só queria sorrir.

Tudo tornou-se diferente dali em diante, o choro tinha filtrado tudo de ruim que havia no coração - este resolveu bater mais comedidamente, assim como outras vezes que isso acontecia no prédio e as crianças ficavam quietas, como se escutassem o que acontecia.

Enquanto isso uma mãe, dela muito amiga, resolveu subir e perguntar o que tinha acontecido - a filha misteriosamente resolveu dizer sua primeira palavra, e não era "papai" ou "mamãe", era "titia". Como a única titia poderia ser ela, subiu. Subiu já lembrando que as crianças sabem muito mais que os adultos.

Lá, está ela azul, já enxugando suas lágrimas. Ao entrar em contato com elas, entendeu tudo o que se passava em sua vida - ninguém precisava saber. Deitou-lhe no colo e logo a menina começou a ter outros tons, pastéis, dessa vez de um alívio verde oliva como nunca. O azul também ficou bem pastel, alegre, forte.

Ela só precisava de um pouco de carinho de verdade.

Cuidemos de quem nos ama, este pode ficar sem cores. Se não tiver mais cores para alimentar a alma, ela resolve perder também o pretume. E daí, ao desaparecer, não haverá mais nada a ser cuidado.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Filosofia da caixa preta

Imagens têm capacidade intrínseca para profunda representação, ainda que ao mesmo tempo apresentem características superficiais à primeira vista. Elas e percepções de seus conceitos não devem restringir a interpretação do registrado, potencializando a busca pelo real sentido de fotografar e assistir a uma fotografia. Ao buscá-lo, tanto o emissor fotógrafo e o receptor espectador devem ter bagagens compatíveis para tanto captar determinado ponto de vista quanto guardar sua imagem de forma adequada.

Como qualquer objeto, sem qualificação e/ou interpretação películas são desprovidas de valor. Ao permitir a construção da crítica na mente do observador, este terá maior capacidade para detectar a significação imbuída em cada seqüência de imagens – tendo tal significação uma relação direta com a especialidade dada às películas pelos veículos, devendo eles tratar imagens evitando desprovê-las de significado.

Na fenomenologia de Merleau-Ponty, a frase “o verdadeiro Cogito não substitui o próprio mundo pela significação mundo” pode ser utilizada para a fotografia onde a diferenciação entre imagem, película e fotografia é necessária. Sendo assim, a imagem é o produto final da representação feita pela fotografia tendo uma pós produção. A fotografia é o processo para a representação de uma imagem e assim requer um agente ativo para sua realização, e a película é simplesmente um meio para a armazenagem de determinada imagem.

Ganha mais corpo, especialmente pelas películas serem formas para registro atual do que será revisto futuramente, a atemporalidade das mesmas. Mais que palavras ou textos noticiando algo em determinado momento, capturam conceitos do passado em que o observador terá oportunidades para viver ou reviver tais contextos registrados.

Estes devem, não substituindo raciocínios lógicos baseados nos fatos noticiados, envolver possíveis regionalidades culturais a fim de, além de disseminar acontecimentos, informar quais são, qualitativamente, os aspectos com relação à cultura, local ou não, prendido na imagem.

Tornando-se elementos primários, imagens representam também ligações dos fatos e acontecimentos com o ser humano, explicando-lhe qual a sua pertinência em tal universo. Ao amealhar o conceito de pertencimento, é necessária a sabedoria para não influenciar os observadores a um determinado ponto de vista, sob risco de ceifar-lhes a capacidade de interpretação segundo sua cultura, ou serem influenciados a somente enxergar sob vis subterfúgios o que será necessário noticiar.

Como a imprensa, a prensa de películas também não pertence a um universo objetivo, imparcial; faz-se necessário tal reconhecimento para os portadores da informação evitarem a manipulação vil da mesma, lembrando que cada gesto cometido ao fotografar é esforço para capturar, em menor espaço possível, a maior ou melhor representação da imagem da realidade possível, lembrando que ela nunca será absoluta, adaptando a produção ao meio no qual será difundida tal representação.

Imagens e suas diversas representações somente tomarão força ideal na realidade se o caminho à fotografia trilhado tiver duas vias: a do compreendimento à necessidade de, o mais possível, representar o mundo e sua intrínseca complexidade, e a do desenvolvimento ao privilégio de captar e simplificar tal mundo à linguagem da mente.

terça-feira, 4 de março de 2008

Homem-pássaro

Renasce, a cada dia, o Homem-pássaro que há em nós todos. Claro, este não tem exatamente um gênero. Talvez nem seja “suficiente” para os outros anunciarem que tem essência. De luz, sim, ele vive. E dói lembrar, tem gente fazendo questão de matá-lo todos os dias.

Não faz mal, ainda assim ele fala. E diz muito, viu? Esta parte ou este todo está em cada um de todos. Temos a capacidade de renascer todo dia, por isso ele sobrevive mesmo com as pessoas o matando.

Também não faz mal morrer um pouquinho; se ninguém morresse, não teríamos coisas novas, juventude, coisas a criar. E toda nossa cria é nossa responsabilidade. Ai de quem não entende isso. Não faz mal, no fim todo mundo entende.

Mas também não faz bem nascer todos os dias. Olhar pela janela e estranhar a paisagem, perguntar o-que-vamos-fazer-hoje e não ter resposta, não saber o porquê de ter levantado hoje... Que hoje?

Ou morrer todos os dias. Como vamos morrer hoje? Por que? Mas já? É, estranho também. Tudo é estranho, é viscoso, tem cheiro de caramelo vencido, o olhar é sinistro ao irmos embora.

E suas penas douradas não passam desapercebidas, não, não. Rinasce più gloriosa, já diziam. Tal ressureição é dona do berço de nossos bebês morais e da lápide de nossos preconceitos. Quem não mudou um pouquinho hoje?

Faz sentido falar em reforma, que a luz nos guia, o céu é seu viveiro. Por isso o sol a todo dia vem, tal qual a roda da fortuna. E a lua, essência da roda, sempre cresce e mingua. Não tem quem não mude, só isso. Uns demoram, é claro, por teimosia. Como já disse, por dentro a alma só ri se ela quiser.

Por isso a vida muda as perguntas a toda hora, é mesmo! E por isso também devemos morrer ou nascer, não? Para entender, só se perguntando hoje e amanhã. Se a resposta for diferente, algo mudou.

Só não devemos ter vergonha de ter outra resposta amanhã, ela pode ser melhor que a de antes. Deixemos ele voar...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Um café

Por favor, sim, descafeinado. É que é como hoje preciso me sentir. Desapegado à própria essência. Estranho a mim mesmo. Não sei o que faço aqui, em pé, à entrada da cafeteria. Agora as razões estão, a mim, veladas – e hei de descobri-las!

Não há razão.

Em terreno tão definido, resoluto, é impossível encontrar respostas dentro de nós próprios. É mesmo? Hoje, o termo, é inexistente. Enquanto o café esfria, sinto a espuma arrefecer e a ganhar tom. Sem razão para em qualquer coisa pensar, tomo ele – sim, simplesmente tomo –, este agora sem parte de seu ser. Não tem hoje.

E o que existe de tão velado?

Deve, no café, existir um pouquinho de mim, pedi ele com bastante carinho. Quem o fez me conhece, sabe do que gosto. E é um dia especial, pois sempre gosto do puro. Do revelado. O aventureiro, até meio ácido de seu humor, também sensível. Tem um pouquinho disso nos meus olhos, não tem?

Ele é algo pessoal.

Nesse descobrimento de nós próprios, refletimos nosso cerne, ele (o descobrimento) é parte integrante da percepção, da dádiva de sabermos que somos parte do que tomamos e também tomamos parte do que somos. Exercitar a tarefa de apreciar nossa essência, defini-la com uma única cor e todos os tons que couberem na memória.

O pessoal é intransferível.

Às vezes as coisas são simplesmente nossas. E percebemos que não dá, não dá para repassar tudo aos outros. Assim acontece com o gosto que sentimos. Esperamos que seja um pouquinho de nós e um montão dos outros, até porque é bom saber como são os outros. Não sei como é você, talvez menos quanto sabe como sou eu.

Mas só eu sei como escrevo na borra.

Às vezes alguém resolve ler uma borra de café e dizer algumas coisas sobre nós. E elas estão até certas! Acertam com honra, valor, até orgulho. Mas o importante é outro, outro, o outro. Segredo esse ninguém tasca, pode ser meu motivo para viver. Se alguém achar uma pista, vai saber – não, de verdade, não tem segredo. Dessa janela ninguém vê o sol.

É que ninguém sabe como é a gente que entra pela porta de um café.

Sai da boca da razão que uns são e uns não são. Só que não tem boca para dizer como são, menos ainda os porquês de serem. Ou não serem, na verdade tanto faz. Para mim, tudo é um e, para o outro, um é tudo. E o que acaba importando é se o outro vai dizer oi ou não.

Oi, um café puro, por favor!

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Os homens não conhecem seus céus

Os homens não conhecem seus céus

Não é verdade. Sim, alguns conhecem o céu. Também aquele azul, o que contemplamos quando no parque – não quando corremos – ou quando prestando a rara atenção na janela. Os homens são solteiros, eu digo. Não casam-se com o que eles já, sim, sabem a que se refere a felicidade. É estranha essa coisa de felicidade, parece que estamos numa peça de teatro, que temos de rir a toda hora.

Espero ter lucidez agora. A reconhecedora do poço no qual nos encontramos: o da solidão, da ilusão do que é bom e ruim, das coisas que nós próprios fizemos conosco. Não tem nexo criar a noção de felicidade se nascemos chorando não-sei-o-porquê. Tinha mais alguma coisa azul, mas o tempo não deixou escrever. E não importa, algumas precisamos aprender sozinhos, assim como fizemos logo ao nascer.

Todos querem ser fortes, lúcidos, amorosos, calmos – querem. Descobri que eu também. Não sei dizer qual é o caminho para atingir o que queremos. Ninguém decide sem querer, mesmo que não tenha razão: é preciso querer. Mas tudo o que queria era deixar o sol entrar pela janela ou sair da casa para não precisar da dita janela. Meu pequeno universo começa quando vou dormir. Só assim sinto o que faria se tivesse decidido tudo na vida.

É para decidir bem aos pouquinhos. E então vamos dizer “Era uma vez”. Eu ainda não comecei. E quem decide resolve enxergar o mundo diferente: “Eu já fiz”. Mas sofre o amargor, começa a ter menos coisas a fazer na vida, a deixar de ser criancinha. A não dividir seus hábitos, não revelar o que sente. E dá calafrio nas costas pensar que alguém vai deixar de ser criança, que vai ser iniciado em algo que não sabe o que é.

Daí o cândido passa a ser responsável, respeitado, retorcido. Dizem que são mais fortes, mais felizes, mas não é, não é. É a amargura que se acumula para eles rirem da próxima piada, qualquer coisa vai ter graça se não for desgraça. E não terão muito a fazer a não ser continuar vivendo. E por dentro a alma só ri se ela quiser.

Queria tanto saber por um dia como é. Mas não dá, não dá. Se acontecer, vai me tomar o riso e me tornar irriso. Irriso de irrisório, ilusório. E não tem volta, a experiência preenche todas as suas lacunas. Quando temos muitas delas conseguimos ouvir e desouvir porque tudo por elas passa. Quando não, tudo entope a alma como o coração magoado. E esse mata, mesmo que não literalmente.

E a decisão é clara como o céu, mas outro céu. Mais outro. Esse é o de dentro, o que enxergamos quando ficamos cegos, isolados do mundo. Tem coisas que são apenas nós. E esse nós são eu e eu. As que entram pelas frestas das janelas, que nos cegam, não deixam que vejamos nada mais porque essa, sim, é uma certeza: o mundo dos átomos é muito pequeno para isso, são só cinzas. Ou são cinzas, mas não essas que conhecemos. As que invisivelmente saem quando queimamos alguém e enxergamos sua vontade de viver no ar. A essência, dizem. São só cinzas, também, porque muitas vezes não nos importamos conosco.

E ao transferirmos coisas para a responsabilidade de outros é que erramos. Não, não, não, eles não são responsáveis por nós: nós é que devemos tomar cuidado do eu. E a isso não adianta bater a cauda, queimar o jardim. Esse jardim ninguém queima: ele só enfeia ou embonitece. Seu pensamento não arredará pé e, sim, ele é quem está certo! Quando descobrimos tais certezas, o jardim cheira bem, novamente cândido e incólume – protegido da cólera que plantamos ao ver o jardim dos outros quando precisamos mesmo é cuidar do nosso.

O mais estranho disso tudo é descobrir que o céu não está no nosso jardim nem no dos outros. Todos temos o direito de ver a paisagem, igualzinho ao do vizinho: ninguém pode ter um pedaço maior do céu que o outro. Acontece que alguns aproveitam-no melhor que os outros. Há quem fique feliz na clausura! E eu pensando em janelas. Há os que dormem em quartos escuros, movediços, até traiçoeiros. E, ainda assim, dizem ser donos de quinhões no céu. Como pode? Ah, é: não precisa explicar.

Eu o amava, o céu. Porque ele não precisa de passaporte, dinheiro, sequer sonho! Era só estar lá e andar. A cada vez que eu entendia algo mais aqui, meus passos nos céus se alargavam. Até que eu resolvi livrar-me de tudo aquilo que não precisava ou não queria de verdade mas os outros insistiam. Então eu passei a voar, passar por nuvens, espiar nas casas – sim, lá as casas são perfeitas – e encontrei um espelho. Nele eu era outra pessoa. Virei um dragão!

Um dragão. O que as pessoas dizem ser sujo, malcriado, o que solta fogo e assusta as crianças em seus sonhos. Mas como assim, sempre gostei de crianças! E comecei a cair quando pensei nos outros, ah, os outros. E esquecia como era voar. Voltei ao estado estupefato para não me esborrachar. Parei numa pedra para refletir. Fria, ela. E tinha limo verde, quase escorregava. E ali tive de decidir se voava para sempre ou continuava pela terra.

Sempre soube que os passos largos me levariam a uma dura decisão. E hoje chegou. Não posso andar e voar; correr cansa. É a responsabilidade, agora, de saber se serei criança ou “gente grande”, se vou voar ou andar, de tudo. Sinto que sentirei falta da outra opção. Andar não dói, mas cheira mal. Vejo o mal. Cresce, aparece, é café derramado. Voar é puro, cândido, leve, mas dói. E não sentimos cheiro, ele fica para trás. E ao não cheirar não crescemos, continuamos crianças.

E o tema entra e sai de minha cabeça a cada segundo, é luz na peneira que faz suco de laranja e vodca que queima a garganta. Mais café, eu pedia. Resolvi que não iria pensar até os próximos cinco segundos, a resposta viria. Também resolvi roer unha feito criança, ainda na ansiedade de crescer para saber se iria voar ou andar. Respirei parcamente, até esbugalhei os olhos e fiz caretas com a boca para clamar alguma resposta do cérebro, porque eu já sabia o que o coração queria.

Sem piscar os olhos minhas mãos tremeram e eu esqueci quem era. O adágio ribombava na minha cabeça porque agora seria o momento de virar as costas para metade de minha vida e decidir se seria um transeunte ou um avião aos olhos de quem passa o tempo contemplando a paisagem. Se teria alegrias comuns ou mitológicas com hábitos coletivos ou solitários ou qualquer coisa que o valha. Percebi que qualquer lado para o qual eu olhasse teria mais ou menos minhas opções depois do alumbramento passar.

E decidi. Serei um dragão.

Sim, eu aceito.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Intensidade

Repentinamente as coisas não escolhem acontecer: simples como o branco da luz, invadem o nosso alento e, ah, acabam com o que achamos comum.

Sim, tantas coisas, coisas tantas, não escolhemos sofrer. Mas não é necessariamente o desalento do sofrimento: sofrer de simplesmente ser o objeto da frase, sim, acontece.

Falando sobre a vida, às vezes é bom a chacoalharmos. Nossa famosa rotina casa-trabalho-casa ou, para alguns, trabalho-casa-trabalho nos impede de ver o sol brilhando lá fora.

Fora de onde? Da redoma que construímos de acordo com o tempo. A inocência de não perceber que a vida seria mais simples e mais repleta se fôssemos menos preocupados com a antiga retórica tempo-dinheiro.

A vida nos ensina, de tantas formas, a vivermos com cada vez menos para termos cada vez mais. Ou, a alguns, de vivermos com cada vez mais para sentirmos cada vez menos.

Escolher viver mais ou sentir menos. O mais ou menos pode não ser absoluto: quiçá resoluto ao que é possível vivenciar.

E o que é melhor? O conforto de viver na redoma ou o conforto de viver fora dela?

Para responder, só vivendo.
E, como já disse, viver é intransitivo.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Love & Life

What else can I write? There are no words for something that can only, for now, be called an attempt. Hence there are some special ones.

We cannot be blamed for trying something; we are the only ones to blame ourselves: perhaps for being bold. We perceive reality changing over time and the best feature of doing so is to be bolder.

The bolder, the more of a shoulder we resemble: the one they call reliance. Ubiquitous and whatnot, I urge to say I love you. There are no other possibilities! And nothing has been shown.

In this light I rely on for there are no other signs other than, as I said, possibilities. The bolder, the higher the ante! It's not love that is a game, for it must be sincere; but 'tis life. We always play with our lives, even when saying we play with people: do not believe them! We are only able to play with and for ourselves.

There is no believer if there's nothing to believe in; but also that's not a game: we see what we want, truth be it or not. I do not know about tomorrow, but I long for you.

Love is also a game we don't know we already were in. In that we cannot expect the rules to be straight, nor their whereabouts: it is like playing blindfolded. And there is the major rule: everything has a potential to be unknown. The better and the worst of them all!

There are people that like to be in danger, and the others: where would joy be if there aren't any dangers to play with? :)