Pensar Hoje - retratos do agora

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Os homens não conhecem seus céus

Os homens não conhecem seus céus

Não é verdade. Sim, alguns conhecem o céu. Também aquele azul, o que contemplamos quando no parque – não quando corremos – ou quando prestando a rara atenção na janela. Os homens são solteiros, eu digo. Não casam-se com o que eles já, sim, sabem a que se refere a felicidade. É estranha essa coisa de felicidade, parece que estamos numa peça de teatro, que temos de rir a toda hora.

Espero ter lucidez agora. A reconhecedora do poço no qual nos encontramos: o da solidão, da ilusão do que é bom e ruim, das coisas que nós próprios fizemos conosco. Não tem nexo criar a noção de felicidade se nascemos chorando não-sei-o-porquê. Tinha mais alguma coisa azul, mas o tempo não deixou escrever. E não importa, algumas precisamos aprender sozinhos, assim como fizemos logo ao nascer.

Todos querem ser fortes, lúcidos, amorosos, calmos – querem. Descobri que eu também. Não sei dizer qual é o caminho para atingir o que queremos. Ninguém decide sem querer, mesmo que não tenha razão: é preciso querer. Mas tudo o que queria era deixar o sol entrar pela janela ou sair da casa para não precisar da dita janela. Meu pequeno universo começa quando vou dormir. Só assim sinto o que faria se tivesse decidido tudo na vida.

É para decidir bem aos pouquinhos. E então vamos dizer “Era uma vez”. Eu ainda não comecei. E quem decide resolve enxergar o mundo diferente: “Eu já fiz”. Mas sofre o amargor, começa a ter menos coisas a fazer na vida, a deixar de ser criancinha. A não dividir seus hábitos, não revelar o que sente. E dá calafrio nas costas pensar que alguém vai deixar de ser criança, que vai ser iniciado em algo que não sabe o que é.

Daí o cândido passa a ser responsável, respeitado, retorcido. Dizem que são mais fortes, mais felizes, mas não é, não é. É a amargura que se acumula para eles rirem da próxima piada, qualquer coisa vai ter graça se não for desgraça. E não terão muito a fazer a não ser continuar vivendo. E por dentro a alma só ri se ela quiser.

Queria tanto saber por um dia como é. Mas não dá, não dá. Se acontecer, vai me tomar o riso e me tornar irriso. Irriso de irrisório, ilusório. E não tem volta, a experiência preenche todas as suas lacunas. Quando temos muitas delas conseguimos ouvir e desouvir porque tudo por elas passa. Quando não, tudo entope a alma como o coração magoado. E esse mata, mesmo que não literalmente.

E a decisão é clara como o céu, mas outro céu. Mais outro. Esse é o de dentro, o que enxergamos quando ficamos cegos, isolados do mundo. Tem coisas que são apenas nós. E esse nós são eu e eu. As que entram pelas frestas das janelas, que nos cegam, não deixam que vejamos nada mais porque essa, sim, é uma certeza: o mundo dos átomos é muito pequeno para isso, são só cinzas. Ou são cinzas, mas não essas que conhecemos. As que invisivelmente saem quando queimamos alguém e enxergamos sua vontade de viver no ar. A essência, dizem. São só cinzas, também, porque muitas vezes não nos importamos conosco.

E ao transferirmos coisas para a responsabilidade de outros é que erramos. Não, não, não, eles não são responsáveis por nós: nós é que devemos tomar cuidado do eu. E a isso não adianta bater a cauda, queimar o jardim. Esse jardim ninguém queima: ele só enfeia ou embonitece. Seu pensamento não arredará pé e, sim, ele é quem está certo! Quando descobrimos tais certezas, o jardim cheira bem, novamente cândido e incólume – protegido da cólera que plantamos ao ver o jardim dos outros quando precisamos mesmo é cuidar do nosso.

O mais estranho disso tudo é descobrir que o céu não está no nosso jardim nem no dos outros. Todos temos o direito de ver a paisagem, igualzinho ao do vizinho: ninguém pode ter um pedaço maior do céu que o outro. Acontece que alguns aproveitam-no melhor que os outros. Há quem fique feliz na clausura! E eu pensando em janelas. Há os que dormem em quartos escuros, movediços, até traiçoeiros. E, ainda assim, dizem ser donos de quinhões no céu. Como pode? Ah, é: não precisa explicar.

Eu o amava, o céu. Porque ele não precisa de passaporte, dinheiro, sequer sonho! Era só estar lá e andar. A cada vez que eu entendia algo mais aqui, meus passos nos céus se alargavam. Até que eu resolvi livrar-me de tudo aquilo que não precisava ou não queria de verdade mas os outros insistiam. Então eu passei a voar, passar por nuvens, espiar nas casas – sim, lá as casas são perfeitas – e encontrei um espelho. Nele eu era outra pessoa. Virei um dragão!

Um dragão. O que as pessoas dizem ser sujo, malcriado, o que solta fogo e assusta as crianças em seus sonhos. Mas como assim, sempre gostei de crianças! E comecei a cair quando pensei nos outros, ah, os outros. E esquecia como era voar. Voltei ao estado estupefato para não me esborrachar. Parei numa pedra para refletir. Fria, ela. E tinha limo verde, quase escorregava. E ali tive de decidir se voava para sempre ou continuava pela terra.

Sempre soube que os passos largos me levariam a uma dura decisão. E hoje chegou. Não posso andar e voar; correr cansa. É a responsabilidade, agora, de saber se serei criança ou “gente grande”, se vou voar ou andar, de tudo. Sinto que sentirei falta da outra opção. Andar não dói, mas cheira mal. Vejo o mal. Cresce, aparece, é café derramado. Voar é puro, cândido, leve, mas dói. E não sentimos cheiro, ele fica para trás. E ao não cheirar não crescemos, continuamos crianças.

E o tema entra e sai de minha cabeça a cada segundo, é luz na peneira que faz suco de laranja e vodca que queima a garganta. Mais café, eu pedia. Resolvi que não iria pensar até os próximos cinco segundos, a resposta viria. Também resolvi roer unha feito criança, ainda na ansiedade de crescer para saber se iria voar ou andar. Respirei parcamente, até esbugalhei os olhos e fiz caretas com a boca para clamar alguma resposta do cérebro, porque eu já sabia o que o coração queria.

Sem piscar os olhos minhas mãos tremeram e eu esqueci quem era. O adágio ribombava na minha cabeça porque agora seria o momento de virar as costas para metade de minha vida e decidir se seria um transeunte ou um avião aos olhos de quem passa o tempo contemplando a paisagem. Se teria alegrias comuns ou mitológicas com hábitos coletivos ou solitários ou qualquer coisa que o valha. Percebi que qualquer lado para o qual eu olhasse teria mais ou menos minhas opções depois do alumbramento passar.

E decidi. Serei um dragão.

Sim, eu aceito.

3 comentários:

Ghad Arddhu disse...

Na dúvida do Céu da Terra e do Céu enquanto paraíso fico com aquilo que apetece a mente.

É bom quando vemos pessoas tomando decisão de serem agentes de sua vida, e não apenas meros reagentes, que apenas reagem sem tomar rédea do destino.

Esse texto me lembrou o seguinte:


o problema não é meu, o paraíso é para todos
o problema não sou eu, o iferno são os outros


gostei ;)

linkado !!!

Marcia Soleni disse...

Ai ai

vais cuspir fogo, óhhhh grande dragão.

shaushausahsuahsu

Inocente disse...

Este texto me fez lembrar de minha última viagem de avião...
Muito feliz comprei uma passagem pela internet e, pensei ter escolhido uma janelinha, para meu total desapontamento era um assento sem janela encostado na parede do avião.
Véspera de carnaval, pensei: não vai sobrar um lugar neste avião...
Quase me conformando com a idéia de ter que imaginar o céu, chovia chovia chovia... sobrou um lugar na janelinha...
Travestida de criança pedi à aeromoça: Tia, posso mudar de lugar? Pode sim, tem uma janelinha aqui para você!
Como foi bom ter certeza que acima do tapete de nuvens existe o Sol...
Enquanto olhava aquele mar da patagônia, cheio de icebergs, avistei uma ilha!
Olhei para os lados e pensei: Será que mais alguém está vendo isso?
Não, todos estavam distraidos demais com um arco-íris que enfeitava o ar.
Voltei meus olhos para a ilha e pensei: Ainda bem que sou capaz de ver o arco-íris, mas posso também enchergar a ilha!
É possível ser gente grande e, ainda assim, ter uma ilha no céu!