Pensar Hoje - retratos do agora

domingo, 19 de julho de 2009

Rebelião

O espírito sem resposta também não tem casa. Ela é uma música que cantamos a toda hora quando criamos uma ilusão em nossa cabeça: a vida tem, tem de dizer, nos dá a sensação de que tudo poderia ser feito quando sim, é verdade!

A ilusão nem sempre é algo falso. E serve, muito bem, para dizer-nos que algo, que já existe, existe. Digo porque nem sempre sou ouvido. Esse objeto pode precisar de amparo para viver ou cai no sincero esquecimento. E esquecer, também, não é não lembrar, porque ninguém esquece.

Lembrando a arte do amparo, precisamos dele. Não porque somos únicos ou mais juntos, é que não dá para fazer tudo. Daí acontece. A revolta? Também não é revolução, é só vontade de mexer, remexer. A revolução só acontece se alguém tiver mexido os ovos, senão tudo são branco e amarelo.

Aos olhos de quem vê o ovo, o irmão diz tudo: "sou amarelo e você preto, azul, verde, castanho. Contudo, temos muito em comum. Mas por que você não nasce, assim como eu?". Somos caso a se pensar, reflitamos. Não há como amalgamar a massa fluida ao nosso duro julgamento, ele só enrijece e devemos aproveitar enquanto podemos ver.

Ou sentir. E nisso construímos as rebeliões dentro de nós, por isso nos sentimos impertinentes. Dói mas é. Viver sempre fará falta, também aproveitemos. Nada melhor que uma revolta para voltar, continuar o que era com outra cara, diferente.

A vida não é cara.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

epitáfio

falece hoje, 10 de fevereiro de 2009, seu Juarez. companheiro de café, alegre notívago, garçom há mais de trinta anos, amigo reclamão. levará consigo canetas orgulhosamente conquistadas pelo árduo trabalho. será sentida falta de tudo: a copa tinindo, o café sempre quente, fumegante às dez da noite e às três da madrugada, os sanduíches caprichados e as palavras contentes mesmo no trabalho mais duro. aposentara-se há quatro meses e ainda trabalhava. alforriou-se há dias, mas a vida estava no hotel em que trabalhava. deixa saudades e palavras consistentemente verdadeiras que permanecerão intactas pelo tempo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O cantil

Duas almas desalmadas nem aos céus podem recorrer; suas barracas também não são tão símbolos de segurança, tampouco o céu que teria em enganá-los. O peso é parco, a idéia de realidade já inexiste. Não há nada para buscar na barraca, só o som zunido do deserto consegue entrar em seus ouvidos, até nas almas desalmadas.

O mapa? Ainda nada diz. Consertar o carro só dá a esperança de encher o cantil mais uma vez. A direção só é decidida, não que seja certa. O passo parco só garante um erro menor: não se sabe onde estará o novo cantil. Mas o binóculo diz mais! Pena que ainda estamos longe.

Mas o cantil d'agora é importante, é importante. Tenhamos determinação, amanhã poderá ser melhor. É por lá, diz ele! E seguiremos, vamos seguir, não podemos perder mais tempo. Ou, mesmo que percamos, façamos algo para não pararmos. E não há discussão nessas horas: um está tão perdido quanto o outro e nenhum mapa diz nada, até as estrelas mentem para nós.

A escravatura ainda não acabou, digo. Temos duas barracas para nós dois, mas parece que só uma existe. Uma é igualzinha à outra, mas o sono em ambas é ruim, ruim de uma forma diferente. E ah, a do escravo só é mais iluminada porque ele precisa trabalhar.

Um mundo está longe, mas o nosso é menor: busquemos! E eu quero, também, o cantil. Mas calma, calma. Deverá passar tudo isso, espero. E quando isso tudo passar, deveremos rir do que aconteceu, ou então nos separarmos e irmos cada um para seu caminho. Mas de tanto tempo longe, não lembro qual é o caminho. Não temos mais história, qual o sentido?

Não quero, não quero matar! Sou ainda honesto, mesmo que o capataz sem causa continue aqui. Vamos seguindo. Mas o capataz não perdoa a nada. A saída não é justa, ela só servirá para ele. E os reprimidos? Que continuem escravos, ele acha. Se não podemos consertar o que tivemos, joguemo-nos fora. Sigamos, sigamos, sigamos a algo que não sabemos o que é: o cantil é importante.

Ele me deixou sem água. Fenecerá ele! E não é por vingança, não. É que ele se acostumou com água, a ele vai faltar, já estou acostumado sem: o corpo a tudo se adapta quando a alma é forte. E a mais um pesadelo não suportarei, se ele pensa que é esperto, ignorância plena: vou tomar um restinho de água aqui.

... e ele ainda consegue achar as estrelas bonitas! Não, não suporto. E agora a água acabou até para ele. Quero ver qual lápide o acolherá, porque agora será só ele a procurar sentido na vida! Porque a minha serão os grãos de areia que já correm pelas minhas mãos...

... baseado na peça O cantil do grupo Teatro Máquina no Centro Cultural São Paulo - texto escrito em 28/11/2008.

sábado, 11 de outubro de 2008

A gelatina pelo mundo

Não sabemos, mas o mundo nos é tudo e somos tudo ao mundo. Ele sem o significado, o mote, que somos nós, só é uma massa imberbe de terra. A sacanagem, a malícia, o bem e a ternura estão em nós, nós. E à terra a história só acontece com emoção.

Aqui também é um conceito relativo. Temos consciência, sim, de que não a temos de verdade. Ela é só um elo imaginário que não nos dista da matéria em que somos inseridos, a gelatina pode ser um bloco de pedra. E à ilusão damos os louros de nossas vitórias, eles são impuros tanto quanto nós, não precisamos sentir culpa.

Sem o cuidado devido, nossas piores coisas aparecem e o simples fato de querermos viajar pelo mundo pode nos parecer um dilema. Três pontinhos não conseguem, ainda, descrever um dilema por completo. Ele são os três pontinhos e a falta deles ao mesmo tempo.

Garçom, por favor, um café. Ele ainda é o que consegue um torpor cônscio, meu deus. E não tem gosto de gelatina, mas de terra. Vamos caminhar pela linha imaginária que traçamos quando viemos ao mundo, ainda faz bem isso. Cuspir palavras não deve ser crime também, só cuspir nelas.

E a conta, por favor. Vou pagá-la antes, é mais fácil.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O cipreste

Imponente, a mim é um milagre da criação: não há avenida menos chamativa quando vejo duas fileiras de meia dúzia deles. O vento o acaricia igualmente e ele corretamente o reverencia. Teve importância grande em minha criação, admito. Todos somos vento, passamos desapercebidos sempre que quisermos. Só que ele sempre nos notará, sempre tentará captar mais de nossa motivação.

E é ele, o motivo. Ele é o sopro, o motor. Nunca admitimos nadar contra, mas acontece a toda hora. Deixar ir é mais fácil que deixar se ir. Partir a si próprio admite duas interpretações. Ambas corretas porque deixar o recinto também é deixar um pouco de si para trás.

Claro, alguém o plantou. E sim, é verdade, sofrerá com as ervas daninhas, os fungos, os lenhadores. Ainda é requisito, para quem quiser desvendar os céus, vencer a terra. Ao menos por aqui, onde quem manda é ela, alimentando a raiz; os céus, o cimo.

Quando pensamos ser ou ter asas, devemos lembrar que elas nos fazem algo entre planar vagarosamente ou rasgar os céus: geralmente só recordamos a liberdade implicada. Ela nos deixa com a escolha de admirar a paisagem ou lá chegar. A verdade é que ninguém sabe exatamente onde é lá. Então muitos resolvem admirar a paisagem.

Um cipreste não sai de seu lugar, mas a única referência que seu cimo tem é o vento. Ele pode escolher entre permanecer parado a contemplar o vento e permanecer em movimento vendo o vento passar. E a razão dele estar sempre verde é que ele, nessa avenida, viaja pelo mundo com seus onze companheiros.

domingo, 13 de julho de 2008

Estática

Pode também ser revigorante andar parado; assim o diz meu corpo hoje, ao pela primeira vez sentir o farfalhar das folhas, sim, lá ao longe - longe do que? - sem se preocupar com as qualidades ou defeitos dele. Também pode ser boa a sensação de não julgar, não ser julgado - sequer olhar por um tempo.

O descanso, quando de verdade, pode ser confundido com algo não benigno. Mas, oras, depende de como medimos isto. Afinal, pomo-nos em condição da justa incapacidade para aferir algo. Felizmente é só por um tempo.

E, então, como não confundir o descansar com o apodrecer, nestes casos? Nele, assim como o fiz, ser medido após tal descanso ou padecimento. Sim, demoramo-nos a entrar de volta em nossos corpos, mas eles também agradecem quando é um descanso. Um decanto, diria.

A fugacidade deste momento nos é cara: como evitar fugir se simplesmente estamos fora? Não há resposta necessariamente precisa, até assim não podemos evitar nossos corpos de pensar ou até de tomar decisões por nós. Aliás, "por nós", saliento.

Cabe a nós decidirmos por quanto tempo ficaremos estáticos. Se pouco ou se muito, o julgamento é pessoal. Mas há um consenso. Ninguém descansa sem ter se cansado de algo. Como quase tudo, é talvez melhor que não seja para sempre. Ou muito.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Olhos fechados

(erros: ^H é o backspace para correção)

É com alegria que escrevo de olhos fechados. É parte de uma cena tudo isso. Ouvir música e, ainda de olhos fechados, escrever, me é gratificante. Há a especialidade de se sentir, ainda, a melodia no peito, com tanto o ribombar o movimento mais agressivo quanto o adágio a me acalentar.

Compor de olhos fechados deve ser difícil, uns dizem. Devo concordar, escrever também o é. Mas quando as palavras saem do coração, não sei, é mais possível chorar palavras sem se arrepender. Não temos nossa blindagem e queremos sentir um pouco mais para refletir por que é que é tão forte...

Não tem dilema nisso, aposto. E o melhor, não preciso de meus óculos para enxergar melhor o que escrevo.

A orquestra estava bonita, na música cada instrumento passava a batuta ao outro: violinos fazendo a vez de trompetes, até triângulos tiveram chance de se mostrar. É porque eles devem ser a forma perfeita, acredito.

Sem ver, uns podem perder a linearidade do que escrevem. O que é que escrevi há dois parágrafos mesmo? Não tenho como reler e tentar dar mais sentido a algo. Mas estava tudo em minha mente, deve fazer sentido. Vamos para a próxima palavra, o resto deve fazer sentido.

Olhos fechados devem combinar com breu, acredito. Mas sem barulho, por favor. Sem ruído. Sem interrupções, depois penso no que passou. Ou não. Devo confundir as coisas agora, não tenho esse costume (de escrever com olhos fechados).

Voltando à música, o resultado deve ser bom se a sensação no coração ainda é a mesma quando terminar de escrever. Porque se escrevemos alguma coisa com uma sensação no coração e, ao final do texto, el^H^H^H ela mudar,^H é porque algo deve ter mudado no meio do caminho. E só de olhos fechados para ainda ao mesmo tempo olhar para dentro e tentar continuar igual dentro como fora.

Ainda escreverei com música um dia. E, claro, de olhos fechados.